No dia da posse, 27 de outubro de 1999, o então presidente da corte, ministro Pádua Ribeiro, saudou-a como a segunda mulher a compor um tribunal superior no Brasil (a pioneira, Eliana Calmon, havia ingressado no STJ em junho daquele ano). Ele elogiou o currículo da nova ministra, destacando sua atuação, por sete anos, como membro do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), de onde saiu para assumir sua cadeira no Tribunal da Cidadania.
Nancy Andrighi – a primeira ministra proveniente do terço destinado pela Constituição aos Tribunais de Justiça – foi empossada no mesmo dia que o ministro Domingos Franciulli Netto, falecido em 2005.
No tribunal desde 1999, Nancy Andrighi julga atualmente na Corte Especial, na Segunda Seção e na Terceira Turma. | Foto: Gustavo Lima / STJ Para o atual presidente do STJ, ministro Humberto Martins, a magistrada é reconhecida não apenas pelo profundo conhecimento jurídico no campo do direito privado, mas, especialmente, pela preocupação social que caracteriza o seu modo de julgar.
“A ministra Nancy Andrighi é uma referência em vários temas para os demais membros da corte, e o respeito que desfruta entre seus pares, em grande medida, vem da sua enorme sensibilidade e do cuidado que demonstra com o ser humano em cada voto que profere. É daquele tipo de julgador que sempre enxerga pessoas por trás dos processos”, declarou
Início da carreira no Rio Grande do Sul Natural de Soledade, no interior gaúcho, Nancy Andrighi se formou em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, fez mestrado em mediação no Instituto Kurt Bosch, na Suíça, e é doutoranda em direito civil na Universidade de Buenos Aires.
Iniciou a carreira na magistratura como juíza estadual no Rio Grande do Sul e depois foi juíza do TJDFT, órgão no qual ingressou como desembargadora em 1992.
Após a posse no STJ, atuou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde foi corregedora-geral eleitoral; na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), como vice-diretora; e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), exercendo a função de corregedora nacional de Justiça.
Atualmente, a ministra integra a Corte Especial, a Segunda Seção e a Terceira Turma do STJ. Além de sua atividade como julgadora, tem participação destacada em projetos sociais voltados para pessoas com deficiência, por meio da Comissão de Acessibilidade e Inclusão do tribunal, da qual é presidente.
No Tribunal da Cidadania, Nancy Andrighi foi relatora de inúmeros precedentes que marcaram a jurisprudência em diversas áreas do direito privado.
Guarda compartilhada é a regra Em 2011, ao julgar um caso em segredo que se tornou paradigma, a Terceira Turma seguiu a posição da magistrada para definir que a guarda compartilhada não deve ser apenas uma possibilidade ao alcance dos pais separados, mas uma regra a ser adotada pela Justiça em respeito ao melhor interesse da criança. A linha de entendimento do precedente foi depois incorporada à Lei 13.058/2014 .
O julgamento passou a ser referência para as decisões posteriores do tribunal . Segundo a ministra, mesmo quando não há consenso entre os pais, o regime compartilhado deve ser imposto judicialmente. “A guarda compartilhada é o ideal a ser buscado no exercício do poder familiar entre pais separados, mesmo que demande deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial”, afirmou.
“Exigir-se consenso para a guarda compartilhada dá foco distorcido à problemática, pois se centra na existência de litígio e se ignora a busca do melhor interesse do menor”, disse a relatora.
No mesmo precedente, ficou estabelecido que “a custódia física conjunta é o ideal a ser buscado na fixação da guarda compartilhada, porque sua implementação quebra a monoparentalidade na criação dos filhos”, ressalvando-se, porém, que essa medida se sujeita à análise de sua viabilidade prática em cada caso. “A guarda compartilhada deve ser tida como regra, e a custódia física conjunta – sempre que possível –, como sua efetiva expressão”, resumiu Nancy Andrighi.
Interpretações da legislação processual A ministra também foi relatora de precedentes importantes no campo do direito processual civil. Ao julgar o Tema 988 dos recursos repetitivos, em dezembro de 2018, a Corte Especial analisou a possibilidade de se admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisões interlocutórias fora das hipóteses expressamente previstas no artigo 1.015 do Código de Processo Civil de 2015 .
O colegiado seguiu a posição da ministra Nancy Andrighi no sentido de que o rol do artigo 1.015 é de taxatividade mitigada; por isso, admite a interposição do recurso quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão na apelação.
Segundo a magistrada, uma interpretação taxativa do rol do artigo 1.015 seria insuficiente e estaria em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que há questões urgentes fora das hipóteses relacionadas no código, as quais impedem uma leitura restritiva do dispositivo (REsp 1.704.520 ).
Danos morais por contaminação de alimentos Seguindo o voto da ministra Nancy Andrighi, a Segunda Seção decidiu recentemente que a ingestão do alimento contaminado por corpo estranho – ou do próprio corpo estranho – é irrelevante para a caracterização do dano moral , pois a compra do produto insalubre é potencialmente lesiva ao consumidor.
O julgamento do REsp 1.899.304 pacificou divergência que vinha marcando os julgamentos das duas turmas de direito privado do tribunal em relação à possibilidade de indenização de danos morais no caso de alimentos contaminados.
Para a relatora, em tais situações, o dano moral decorre da exposição do consumidor ao risco concreto de lesão à sua saúde, que não depende da ingestão do alimento. Esta, se houver, poderá ter reflexo apenas na definição do valor da indenização.