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Carolina Maria de Jesus, nascida em Sacramento, Minas Gerais, em 14 de março de 1914, foi uma das primeiras escritoras, compositoras e poetisas negras do Brasil. A sua principal e mais conhecida obra é o livro “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”, publicado em 1960. Ali, Carolina revela a realidade de boa parte da sua vida na favela do Canindé, na Zona Norte de São Paulo, sustentando a si mesma e seus três filhos como catadora de papéis.
Ela se mudou para a periferia de São Paulo em 1937 e escreveu sua vida em diários com papéis que encontrava como catadora. Carolina de Jesus começou a ficar famosa em 1958, quando seus textos eram publicados no extinto jornal A Noite. A escritora vendeu mais de 3 milhões de livros, que foram traduzidos para 16 idiomas, e conquistou admiradores como Clarice Lispector.
Neste ano (2021), a escritora Carolina Maria de Jesus ganhou o título de Doutora Honoris Causa da UFRJ – reconhecimento por conta dos méritos e atitudes, garantindo os mesmos privilégios de quem tem doutorado acadêmico.
Para o especialista na escritora, Emanuel Régis Gomes (39), na área de Literatura Comparada, a escritora pode ser definida de muitas formas, embora duas sejam fundamentais: a sua trajetória de vida e sua escrita.
Carolina começou a trabalhar no campo com a mãe por volta dos oito anos de idade e, com exceção do breve período em que experimentou o sucesso, precisou exercer atividade braçal para sobreviver e criar os filhos, inclusive na última fase de sua vida, no sítio de Parelheiros.
“Mesmo antes de chegar a São Paulo, em versinhos que fazia para pessoas de que gostava, Carolina carregou consigo, da juventude à morte, uma verdadeira necessidade vital de escrever. Portanto, defendo que Carolina Maria de Jesus pode ser vista basicamente como trabalhadora e escritora. Mas, é claro, sua personalidade enigmática aponta para outras direções também”, aponta o especialista.
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O quarto do despejo
Para Gomes a principal obra de Carolina, “O Quarto do Despejo”, é um livro complexo, com muitos significados que ainda se desconhece. Já que o livro foi publicado com apenas alguns escritos que a autora escreveu na favela.
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Como uma biografia, o livro é formado como um diário da autora, com uma linguagem simples. Carolina Maria pensou na cidade de São Paulo como uma grande casa: o Palácio é a sala de visita, a Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. A favela é entendida, então, como um quarto de despejo, no qual ficam os objetos fora de uso que vão para o lixo ou são queimados.
Diferente de hoje em que as favelas abrigam várias famílias, na época da escrita do livro elas recém estavam sendo habitadas. Em seus relatos, além dos filhos, outros personagens são recorrentes: os vizinhos do barraco 15×15 em que mora, principalmente aqueles com quem possui desavenças.
Assim como outros escritores negros, o especialista aponta que Maria Carolina de Jesus também foi inivisibilizada. No caso da autora dois fatores contribuíram: o racismo e o fim da democracia no país na década de sessenta. “É claro, pela dificuldade da sociedade brasileira em lidar com o sucesso e a voz desafiadora de uma mulher negra e destemida, mas também pelo fim do período democrático em que Carolina surgiu com a instalação da ditadura empresarial-militar de 1964”, explica.
Uma literatura como a de Carolina era impensável dentro de um contexto de exceção política como a que o Brasil viveu por 21 anos, de 64 a 85.
Carolina Maria de Jesus no Brasil de hoje
Relatórios que medem o índice de desenvolvimento humano apontam que o Brasil retornou para o mapa da fome , encerrando o ano de 2020 com 113 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar. A fome é um dos temas mais abordados na obra de Carolina Maria de Jesus. Uma fome vivenciada pela pessoa física de Carolina e também pela personagem Carolina na narrativa do diário.
“Em um dos episódios descritos no “Quarto de despejo”, um menino, também catador de lixo, come uma carne estragada que havia encontrado em sua catação e aparece morto por intoxicação no dia seguinte. Essa cena poderia se passar no Brasil de 2021″, explica o especialista Gomes.
Embora os temas que Carolina tratou em suas obras retratem o Brasil de um período que vai dos anos 1920 (Diário de Bitita), passando pelos anos 1950 e começo da década de 60, para o especialista, existem aspectos da realidade que permanecem: o racismo, herança da escravidão, o machismo, a brutal desigualdade entre as classes e a volta da fome da população mais pobre.
“O livro realiza uma leitura da sociedade brasileira pela ótica dos que estão em baixo economicamente no Brasil”, finaliza Gomes.