A decisão do Congresso Nacional de derrubar os decretos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que aumentavam o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) expôs uma das maiores fragilidades do governo: a dificuldade em equilibrar as contas públicas sem recorrer à alta de tributos. A medida, que visava reforçar a arrecadação para atingir a meta de déficit zero em 2024, acabou frustrada pela resistência do Legislativo, impondo um bloqueio adicional de R$ 12 bilhões ao orçamento.
Analistas ouvidos pelo g1 apontam um cenário preocupante: sem reformas estruturais que limitem o avanço das despesas obrigatórias — como benefícios previdenciários, emendas parlamentares e mínimos constitucionais em saúde e educação — o país poderá enfrentar uma crise fiscal severa já a partir de 2026, com risco de “apagão” do funcionamento da máquina pública em 2027.
Corte do IOF agrava situação fiscal
O aumento do IOF havia sido anunciado em maio e incidia especialmente sobre empréstimos para empresas, operações de câmbio e seguros. O governo recuou parcialmente após críticas, mas mesmo assim a proposta foi integralmente derrubada pelo Congresso — algo inédito. O resultado imediato é a necessidade de bloquear R$ 10 a R$ 12 bilhões em despesas, valor que pode subir, segundo técnicos da área econômica.
“Vamos ter que cortar da educação, da saúde, do Minha Casa, Minha Vida. É essa a consequência imediata”, afirmou o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), líder do partido na Câmara.
Arcabouço fiscal trava espaço para gastos livres
O maior desafio, no entanto, é estrutural. Com o novo arcabouço fiscal aprovado em 2023, a maior parte das despesas está sujeita a um teto de crescimento de 2,5% ao ano, acima da inflação. A regra tem como objetivo frear o endividamento, mas sem cortes nas despesas obrigatórias, esse mecanismo deixará o governo sem espaço para manter políticas públicas básicas a partir de 2027.
Estudos da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, e do Banco Mundial, convergem em um ponto: é preciso mexer em regras que vinculam benefícios ao salário mínimo, rever gastos com previdência, reestruturar o funcionalismo público e reduzir isenções fiscais que beneficiam os mais ricos.
Propostas para evitar o colapso
Entre as medidas sugeridas por especialistas e pelo Banco Mundial estão:
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Desvincular gastos do salário mínimo e da arrecadação, para controlar o avanço automático de benefícios.
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Reforma administrativa, com corte nos salários iniciais, regras mais rígidas de progressão de carreira e foco em resultados.
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Nova reforma da Previdência, com regras mais equilibradas para aposentadorias e pensões.
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Redução de isenções no Imposto de Renda, com taxação de lucros e dividendos e novas faixas para os mais ricos.
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Revisão do Bolsa Família e do seguro-desemprego, para impedir fraudes e focar em quem mais precisa.
Pressão adicional: aumento na conta de luz
Enquanto rejeita propostas de corte de despesas, o Congresso aprovou medidas que devem onerar ainda mais o consumidor. Ao derrubar vetos de Lula ao projeto da energia eólica offshore, manteve os chamados “jabutis elétricos” — trechos sem relação direta com o tema original da lei, mas que beneficiam segmentos específicos do setor.
O impacto estimado é de até 3,5% de aumento na conta de luz, com custo de até R$ 525 bilhões até 2050, segundo cálculos do governo.
Risco de apagão institucional
Economistas alertam que, sem uma agenda firme de reformas, o Brasil pode chegar a 2027 sem recursos para manter serviços básicos, como emissão de passaportes, bolsas de pesquisa, fiscalização ambiental e até luz dos ministérios. A pressão tende a se intensificar em 2026, ano eleitoral.
Para Zeina Latif, da Gibraltar Consulting, o governo perdeu tempo. “Essa agenda deveria ter sido encampada no início do mandato. Agora, o espaço é menor e as resistências, maiores.”
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