No alto da serra de Taquaruçu, em Palmas, uma fruta pequena, encontrada facilmente em diversos quintais das casas tocantinenses, tornou-se muito valiosa para os moradores do distrito. Mas o que poderia mudar tanto a vida dos populares a ponto de ser chamada de “Ouro Negro de Taquaruçu”? Ela mesma, a jabuticaba.
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Como começou
Taquaruçu sempre teve jabuticabeiras em abundância, mas elas eram vistas como algo comum, presente apenas nas épocas de colheita. O ano era 2019 quando uma moradora nascida e criada no distrito, Lucyene Nascimento, teve a ideia de criar um evento em que a fruta fosse comercializada de uma maneira bem diferente, 100% in natura, direto do pé.
Segundo Lucyene, desde pequena ela já tinha contato com a jabuticaba e sabia como cuidar de uma jabuticabeira, pois na casa de seus pais havia um pé da fruta. “Minha maior alegria era quando chegava a época da colheita, pois eu poderia subir no pé e passar o dia inteiro ali degustando a fruta”, disse ela. Mas, de acordo com a moradora, algo sempre a incomodou: o desperdício.
“Eu me preocupava muito em ver a fartura de fruta e o desperdício. Nós não dávamos conta da quantidade de frutos, por mais que nossa família fosse grande. O fruto era muito além do que a gente poderia consumir. Então, eu falei para o meu pai um dia: ‘Pai, vamos vender essas frutas? Colocar ali na porta, passa tanto turista. Vamos colocar dentro de um saquinho e pôr na porta para vender. Quem sabe não dá certo?'”.
Ainda conforme Lucyene, mesmo vendendo as frutas, o desperdício continuava sendo grande. Foi aí que surgiu a ideia de criar a Festa Colheita da Jabuticaba.
“Veio aquele pensamento: por que não fazer uma festa de jabuticaba aqui em Taquaruçu? Vou fazer essa tentativa, quem sabe não dá certo. Andei conversando com algumas pessoas que também tinham a fruta e comecei a fazer aquele trabalho de formiguinha, captando produtores – aqui em Taquaruçu tem muitos pés de jabuticaba – e saí convidando, falando do meu sonho de fazer essa festa. Alguns concordaram, outros ficaram com receio de abrir o quintal de suas casas para receber turistas para fazer a vivência, a colheita do fruto direto do pé, mas eu consegui alguns que aceitaram a proposta”, disse ela.
Festa Colheita da Jabuticaba
A 1ª edição da festa já surpreendeu os moradores de Taquaruçu. Muitos turistas subiram a serra para poderem fazer essa imersão na natureza: entrar em um pomar, colher e comer a fruta à vontade. Além de proporcionar a experiência, os produtores também fizeram uma cesta com alimentos derivados da jabuticaba para comercializar, tornando-se também microempreendedores.
Com o passar dos anos, a festa vem crescendo cada vez mais e já faz parte do calendário de eventos da Capital, contando com o apoio do Sebrae Tocantins e da Prefeitura de Palmas, assim como o tradicional Festival Gastronômico de Taquaruçu.
O impacto econômico
A festa não apenas trouxe um fluxo constante de turistas para Taquaruçu, mas também incentivou os moradores a explorarem novas formas de aproveitar a jabuticaba. Geleias, tortas, licores e vinhos de jabuticaba começaram a ser produzidos, diversificando a economia local e evitando o desperdício da fruta. Com a crescente popularidade desses produtos, muitos moradores encontraram novas fontes de renda, agregando valor à jabuticaba e fortalecendo a economia do distrito.
Segundo a organização, na última edição, em 2023, somente a renda das visitas aos pomares e a feira de exposição de cerca de 39 produtores movimentou mais de R$ 350 mil no distrito, em apenas três dias de festa. Ao todo, sete pomares estavam disponíveis para visitação e quase todos os proprietários buscaram formas de empreender e comercializar o fruto. Confira:
Pomar Empório da Serra: bolo de jabuticaba com calda de jabuticaba, suco de jabuticaba e água aromática.
Pomar do Fábio e da Meire: geleias, compotas, bolo no pote, mousse de jabuticaba, sorvete e picolé, paçoca fake e pula-pula.
Pomar Flor de Jabuticaba: suco de jabuticaba na garrafinha e no copo.
Pomar Recanto das Acácias: geleias, licores, vinhos, sobremesas, almoço nos finais de semana.
Pomar Rancho da Ilza: sorvete de jabuticaba com baru, macajabu (macarrão com jabuticaba), jabarú (brigadeiro de jabuticaba com baru), flor de baru (geladinho de jabuticaba com baru), bolo com calda de jabuticaba, cocada de jabuticaba, licor de jabuticaba.
Taquaruçu Garden: sorvete com calda de jabuticaba, suco de jabuticaba e licores de jabuticaba.
Pomar Recanto das Jabuticabas: conta com sete pés de jabuticaba produzindo.
Empreendedorismo – a alternativa para se manter durante todo o ano
Apesar da grande movimentação econômica que a Festa da Colheita trouxe para Taquaruçu, ela só é realizada uma vez por ano, em um final de semana no mês de outubro. Desta forma, os produtores tiveram que buscar formas de se manter ao longo do ano.
Proprietária da chácara Recanto das Acácias, dona Eliana considera-se uma empreendedora nata. Ela conta que, há 20 anos, fez um curso de empreendedorismo no Sebrae sobre como administrar o dinheiro e dar continuidade ao negócio. Mesmo com o passar dos anos, o conhecimento ficou e se faz extremamente presente até os dias atuais.
Com a oportunidade oriunda da festa e todo seu estudo ao longo dos anos, ela observou que poderia trabalhar com a jabuticaba nos doze meses se organizasse tudo com planejamento e estratégia. Embora abrisse seu pomar para os visitantes, Eliana conta que ainda assim sobravam muitas frutas e buscou opções diferentes para aproveitar tudo o que é produzido.
“Eu tenho 58 pés de jabuticaba, ver o desperdício no quintal não é legal. Então a gente viu uma forma de expandir a nossa produção e ganhar dinheiro, porque trabalhar fora não dá. Quem mora em Taquaruçu e é dona de casa, mora em chácara, sabe o quão difícil é trabalhar fora. Então, investir na jabuticaba foi uma forma de ganhar dinheiro”.
De produtora a microempreendedora
Um dos produtos mais vendidos de Eliana é o vinho de jabuticaba, que se tornou uma referência no distrito. Segundo ela, a troca da uva pelo apelidado “ouro negro” surpreendeu os visitantes e teve uma excelente aceitação.
“O povo já tinha experimentado com a uva, né? Mas com a jabuticaba era diferente e teve uma boa aceitação do público. É um sabor bem agradável, além disso, é muito nutritivo. A jabuticaba faz muito bem para a saúde”, disse a microempreendedora.
Eliana conta que todo o processo de produzir os vinhos, licores, geleias e demais produtos provenientes da jabuticaba é feito completamente por ela, visando ter sempre a mesma qualidade na entrega do item.
“O vinho demora dois meses saturando, a fermentação própria dele. Então, tem que ficar ali dois meses para fermentar e dar o sabor bem gostoso. Nesse tempo, eu fico todo dia ali conferindo tudo. Já o licor, você tem que colocar na cachaça por 30 dias, depois fazer o processo para virar o licor. A diferença entre os dois é o tempo de produção e os ingredientes: o vinho só vai jabuticaba e açúcar, já o licor vai a fruta, açúcar e cachaça”, contou Eliana.
Nós fomos até a casa de Eliana, em Taquaruçu, para conhecer de perto o trabalho dela. Confira como foi no vídeo abaixo:
Embalagens, preços e organização
Ao empreender com algo criado por você, faz-se necessário pensar em outras coisas além do produto em si, como, por exemplo, a identidade visual da sua marca, a precificação do item, a organização do estoque e qual embalagem é a mais adequada. Tudo isso conta no final. Em Taquaruçu, os produtores que começaram a investir na jabuticaba tiveram o apoio do Sebrae Tocantins para organizar o empreendimento.
Conforme Eliana, os cursos e consultorias promovidos pelo Sebrae deram um norte para eles, visto que muitos não sabiam nem por onde começar. Atualmente, no Tocantins, há mais de 13.400 pessoas na mesma situação de Eliana – Microempreendedora Individual na área de alimentação, segundo dados divulgados no último mês pelo Sebrae estadual.
“A gente sempre está em contato com eles. Às vezes vem uma equipe do Sebrae aqui, olha tudo, aponta o que pode ser melhorado, nos ajuda a montar os projetos para que possamos conseguir crédito nos bancos ou agências de fomento. Recentemente, eles vieram aqui e me deram a sugestão de começar a exportar meu vinho. Fiquei maravilhada com a possibilidade. Já estou indo atrás de estudar a oportunidade. Imagina só, vinho de jabuticaba em outros países? Seria incrível”, ressaltou a empreendedora.
Assim como Eliana, outras pessoas também já foram beneficiadas com os cursos e consultorias realizadas pelo Sebrae. Além de dar todo o suporte na abertura do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), a instituição também auxilia no direcionamento de como crescer o negócio. A título de exemplo, no mês de maio de 2024, mais de 3.300 Microempreendedores Individuais (MEIs) foram atendidos pelo Sebrae em 85 municípios do estado. Ao Jornal Sou de Palmas, o diretor-técnico do Sebrae Tocantins, Rogério Ramos, deu detalhes de como os empreendedores podem utilizar essa ajuda.
“As nossas consultorias são diversas. Nós temos consultoria de gestão do próprio negócio, consultoria na área de estudos de mercado, consultorias que hoje estão sendo muito procuradas para dar condições de relacionamento dessa empresa através das redes sociais, de mídias, de fachadas, de estoque, de prateleiras. Então, são consultorias que estruturam o seu negócio para ele ser melhor apresentado à sociedade e, obviamente, você ter maior lucratividade”, disse o diretor.
Veja a fala completa de Ramos:
União que deu certo
O empreendedorismo e a Festa Colheita da Jabuticaba em Taquaruçu transformaram a realidade do distrito. São mais do que uma celebração da abundância da natureza; tornaram-se símbolos de resiliência e inovação. O “Ouro Negro de Taquaruçu” não apenas adoça os dias dos moradores, mas também fortalece a economia local e inspira outros a verem as riquezas escondidas em seus próprios quintais. Que esse pensamento possa florescer em outras mentes empreendedoras, para que outros “ouros” ou tesouros sejam descobertos pelo Tocantins afora.