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A aprovação em primeiro turno na Câmara, na madrugada de ontem, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que autoriza o governo a adiar o pagamento de precatórios e abre folga orçamentária para o Auxílio Brasil e para emendas parlamentares expôs a falta de coesão nos partidos que pretendem concorrer em uma terceira via para presidente da República no ano que vem.
Deputados de siglas como PSDB, PSD e Podemos, que planejam ter candidato contra Bolsonaro, votaram com o governo na proposta que ajuda a furar o teto de gastos, em contradição com o que defendem suas principais lideranças. No caso do PDT, a repercussão se tornou uma crise. O presidenciável da legenda, Ciro Gomes, anunciou a suspensão de seu projeto eleitoral depois que a bancada do partido foi decisiva para a vitória de Bolsonaro na votação.
Na maioria dos partidos, prevaleceu a lógica de sobrevivência e interesse pessoal dos próprios deputados. O governo e seus aliados na cúpula do Congresso acenaram com maior participação em emendas no ano eleitoral, fator considerado decisivo pelos parlamentares para renovar os votos em suas bases.
Formalmente, o argumento governista é que a aprovação da PEC era imprescindível para garantir o Auxílio Brasil em 2022. Opositores afirmam que o auxílio poderia ser financiado mesmo sem a PEC, e que o texto votado servia principalmente para turbinar emendas sem fiscalização, além de representar uma quebra na responsabilidade fiscal e um calote no pagamento de precatórios (dívidas do governo sobre as quais não cabem mais contestações judiciais).
O apoio ao Planalto em seus partidos deixou adversários de Bolsonaro em situação desconfortável. Logo pela manhã, Ciro Gomes anunciou que pode até desistir de disputar a Presidência:
“Há momentos em que a vida nos traz surpresas fortemente negativas e nos coloca graves desafios. É o que sinto, neste momento, ao deparar-me com a decisão de parte substantiva da bancada do PDT de apoiar a famigerada PEC dos Precatórios. A mim só me resta um caminho: deixar minha pré-candidatura em suspenso até que a bancada do meu partido reavalie sua posição. Temos um instrumento definitivo nas mãos, que é a votação em segundo turno, para reverter a decisão e voltarmos ao rumo certo”, escreveu Ciro no Twitter.
Ele afirmou ainda que “justiça social e defesa dos mais pobres não podem ser confundidas com corrupção, clientelismo grosseiro, erros administrativos graves, desvios de verba, calotes e quebra de contratos”.
O PDT contribuiu com 15 votos a favor do Planalto. Só seis deputados, de uma bancada de 24, votaram contra a proposta, que foi aprovada com uma margem de quatro votos a mais que o mínimo necessário, de 308. Quatro dos cinco deputados do partido pelo Ceará, reduto político de Ciro Gomes, votaram a favor da PEC.
Em reação, o líder da legenda na Câmara, Wolney Queiroz (PE), escreveu uma mensagem aos colegas de bancada em que afirma não ter recebido nenhuma orientação de Ciro sobre o tema — ele pôs o cargo à disposição.
Ao GLOBO, o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, afirmou que a votação da bancada foi um “erro estratégico” e que vai conversar com cada um dos deputados até a próxima terça-feira, quando a PEC deve ser votada em segundo turno.
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O PDT foi convencido a votar a favor da PEC no fim da tarde de quarta-feira, quando pesou um acordo feito com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de que seria colocado em votação um projeto que destina aos professores 60% do que a categoria tem direito dessas dívidas (precatórios), mas que será escalonada em três anos.
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“Eu sabia que o André (Figueiredo) estava fazendo uma costura pelo Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), mas em nenhum momento sabia que o PDT ia ter orientação favorável (à PEC)”, disse Lupi.
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O lado governista procurou aprofundar o desgaste dos adversários. Na madrugada de votação, aliados do Planalto defendiam a aprovação da PEC com o discurso de que só ela financiaria um programa social no ano que vem. Horas depois, na manhã de ontem, o presidente Jair Bolsonaro reforçou a estratégia:
“Mais de cem deputados votaram contra os pobres. Por birra, por eu ser o presidente”.
Entre os partidos que tentam construir uma alternativa eleitoral entre o ex-presidente Lula e o presidente Jair Bolsonaro, a contribuição para a aprovação da PEC foi de 56 votos. Dos 32 deputados do PSDB, 22 foram favoráveis ao texto, seis foram contrários e três não votaram. A legenda tem três pré-candidatos à Presidência, que disputarão prévias: os governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS), e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio.
Em nota, Doria afirmou que a PEC “fura o teto de gastos e é uma irresponsabilidade do governo federal”. Ele destacou que os deputados do PSDB de São Paulo votaram contra a proposta — seis dos sete tucanos paulistas se posicionaram dessa forma. “Lamento que alguns deputados do meu partido tenham votado a favor do governo”, disse Doria.
No Twitter, Leite afirmou que a PEC “acabou servindo de instrumento para alterações casuísticas no teto de gastos” e que “mina a credibilidade das contas públicas”, mas não comentou o apoio de seu partido para aprová-la. Os dois deputados gaúchos do PSDB votaram a favor da PEC.
No PSD, que deve lançar ao Planalto o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG), 29 dos 35 deputados votaram com o governo, apesar do discurso de oposição do presidente do partido, Gilberto Kassab.
Já no Podemos, que aposta na candidatura do ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro, dos dez deputados, cinco foram favoráveis, quatro contrários e um não votou. Moro, prestes a se filiar ao partido, foi contra a PEC. “Aumentar o Auxílio Brasil e o Bolsa Família é ótimo. Furar o teto de gastos, aumentar os juros e a inflação, dar calote em professores, tudo isso é péssimo”, escreveu.