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“Depois que comecei a me relacionar com meu atual namorado, minha vida mudou completamente. Nos apoiamos em tudo, sabemos das dificuldades um do outro, sabemos o que falar e o não falando quando o outro não está bem. Quando um sofre um ato de racismo, lutamos juntos pelos nossos direitos, e muito disso acredito que não vou encontrar me relacionando com um cara branco”.
O depoimento acima é da estudante de Psicologia Luci Helen Alves (22) uma mulher negra que hoje se relaciona apenas com homens negros, apesar de já ter se relacionado com homens brancos no passado. Essa opção de pessoas negras por se relacionar afetivamente com outras pessoas negras é chamada de “amor afrocentrado”, um termo bastante conhecido nos grupos e fóruns do movimento negro.
Em síntese, amor afrocentrado é um termo utilizado por pessoas negras que optam por se relacionar apenas entre si. Parte desta escolha acontece quando muitas mulheres e homens negros se sentem sozinhos e sem oportunidades de relacionamentos amorosos duradouros com pessoas brancas.
Luci Helen conta que neste novo relacionamento com um homem negro ela não se sente desvalorizada e abandonada como já sentiu em outros relacionamentos. Mesma realidade da jornalista Laura Oliveira (30) que tinha uma dificuldade de ter relacionamentos amorosos assumidos publicamente.
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“Me relacionei com muitos homens brancos, mas nenhum deles me levava para conhecer os pais, me assumia publicamente e eu me sentia desvalorizada e um completo nada para a pessoa”, desabafa.
A escritora norte-americana bell Hooks explica que muitas mulheres negras sentem que em suas vidas existe pouco ou nenhum amor. Essa é uma das verdades privadas, dolorosas e que raramente é discutida em público. No Brasil, dados demonstram que mulheres negras são as últimas a serem escolhidas para um relacionamento amoroso.
No último censo do IBGE sobre “Nupcialidade, Fecundidade e Migração”, realizado em 2010, mostra que, entre os homens brancos, 73,7% se relacionam em uma união estável com mulheres brancas, 21,1% são casados com pardas e apenas 4,6% com mulheres negras.
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Ainda segundo o censo, de 2000 e 2010, anos que os censos foram realizados, as uniões afetivas levando em conta a cor ou a raça não se alteraram. Em 2010, 69,3% das pessoas com dez anos ou mais de idade, uniram-se a outras de mesma cor. Em 2000, eram 70,9%. Durante o estudo, 52,52% das mulheres negras entrevistadas pelo IBGE não estavam em um relacionamento amoroso.
“Mulheres negras e homens negros não são escolhidos para relacionamentos amorosos, nossos corpos não vistos para o amor… Além disso, por muito tempo no Brasil a miscigenação foi uma ferramenta para exterminar com a população negra, por isso se relacionar com uma pessoa negra é também reafirmar o orgulho da nossa identidade”, aponta a antropóloga Izabel Accioly.
Para a pesquisadora, existe um padrão de beleza para relacionamentos que exclui as mulheres negras. Este padrão é divulgado nas propagandas de TV, na valorização dos filmes, novelas e revistas quando apenas mulheres brancas participam ou tem os papéis artísticos principais . Assim, a tentativa de se relacionar com outras pessoas negras é uma forma de reconexão e valorização do povo negro.
Uma referência que vem da África
Para o influenciador negro Vinicius Matias (22), o amor afrocentrado tem a África como centro, referência, como cultura, prática e forma de se relacionar. “As relações afrocentradas são bem diversas, na minha opinião, se levarmos em conta a diáspora de cada pessoa preta ou até mesmo se as pessoas forem brancas e cultivarem as suas relações com bases africanas”, explica.
Para ele, as relações afrocentradas buscam fortalecer a comunidade, aumentar a representatividade nos meios de convivência e quebrar barreiras como a baixa autoestima. Por isso, um dos pontos importantes das relações afrocentradas, é que o compromisso com uma pessoa preta vai para além das relações amorosas: valorização de profissionais pretos e solidariedade entre a comunidade negra.