Os dois meses em que morou embaixo de uma lona há 17 anos contrastam com a situação atual da aspirante da Polícia Militar Andreia Guimarães Tavares, 32 anos, que mora com a família, em Goiânia. A vida da ex-doméstica mudou muito desde que se formou em direito e passou no concurso da corporação. O marido, o gari José Francisco Barros, 37, teve papel fundamental nesta guinada: pegava livros que tinham sido jogados no lixo e levava para a esposa estudar.
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Natural do Pará, o casal chegou na capital goiana em 2003. Na bagagem, trazia os sonhos de uma vida melhor. No colo, o filho recém-nascido, atualmente com 16 anos.
O começo foi bem mais complicado do que eles imaginavam. José arrumou um emprego logo no início, mas até o salário sair, eles se viraram como dava.
“Quando a gente veio, o início foi bem difícil. Moramos embaixo de uma lona, só tinha uma cama, fazíamos as necessidades no mato. Ele pedalava 13 km para ir ao trabalho e o mesmo tanto para voltar para casa”, disse Andreia.
Algum tempo depois, eles conseguiram alugar um cômodo. Quando o filho completou 6 anos, passou a ficar em uma creche. Andreia, então, foi trabalhar como doméstica para ajudar o marido nas despesas.
Livros do lixo
Aquela não era nem de longe a casa que o casal sonhava. Andreia via nos estudos a possibilidade de ascensão. Ela resolveu voltar para a escola e conseguiu concluir o ensino médio. O marido ajudava de forma especial.
“Nessa época, meu esposo já tinha entrado na prefeitura como gari. Eu trabalhava como empregada e estudava à noite. Ele sabia que eu gostava muito de ler, de estudar. Aí passou a recolher livros do lixo”, conta.
Em sua maioria, eram obras literárias, rapidamente devoradas por ela e que a ajudaram muito na prova do Enem, realizada dois anos após a conclusão do ensino médio, em 2012. “Eu tive uma nota muito boa, principalmente na redação. Eu lia muito e consegui escrever muito bem”, conta.
Escrevia tão bem que o resultado lhe rendeu uma bolsa de estudos integral para estudar direito. Ela revela que, ao longo do curso, nunca comprou um livro jurídico, pois sempre recebia doações e pegava emprestado com os colegas.
Quando entrou na faculdade, Andreia já tinha um concurso na prefeitura, no qual ganhava um salário mínimo. Para complementar a renda, ela também fazia faxina como diarista.
Determinada, ela conseguiu passar no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) antes de concluir o curso. Em 2016, prestes a se formar, uma nova oportunidade bateu à sua porta: um concurso para a carreira de oficial da PM.
“Era a oportunidade de mudar de vida. Apesar de já estar concursada na prefeitura, com o salário de oficial eu ganharia cerca de seis vezes mais. Para mim, era interessante por uma questão de carreira, de salário”, recorda.
A concorrência não era animadora. Apenas dez vagas estavam disponíveis para 2,5 mil inscritos. Com muito esforço, Andreia foi uma das aprovadas. Em julho, Andreia espera ser promovida a tenente. Ela quer traçar todo o percurso até o cargo de coronel, o mais alto da patente militar.
A aspirante demonstra profunda gratidão pelo marido, que até hoje trabalha como gari. Depois de todo esforço que ele fez para que a esposa concluísse seus sonhos, ela acredita que é a hora de retribuir.
“Ele foi essencial. Sem ele, jamais estaria aqui. Ele abriu mão dele para poder me ajudar. A gente era sozinho aqui em Goiânia e, quando eu estava estudando, ele estava cuidando do nosso filho pequeno”, afirma.
“Agora que já estou na carreira de oficial, ele vai estudar. Ele vai terminar o ensino médio, quer fazer curso superior e fazer um concurso na área de Segurança Pública. Agora é a minha vez de ajudar ele. É um ajudando o outro”, complementa.
Do barraco de lona para a casa própria, vieram também um carro e uma moto. O filho cursa o ensino médio e sonha fazer faculdade de sociologia. Olhando para trás, fica a lição de ser persistente e poder contar com quem se ama.