Os cigarro eletrônicos, que antes eram apresentados apenas como uma alternativa ao cigarro comum, hoje chagaram à 4° geração. Especialistas dizem que eles se tornaram mais viciantes com o passar dos anos e atingem, sobretudo, o público jovem, que em sua maioria não está ciente dos riscos que o dispositivo traz para saúde.
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No meio de tudo isso, nesta segunda-feira (11), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) abriu um formulário para receber contribuições técnicas e científicas sobre o uso de dispositivos eletrônicos para fumar, os chamados DEF, que estão proibidos para venda no Brasil desde 2009.
Por enquanto, um relatório parcial indica a manutenção do veto e a intensificação da fiscalização do comércio ilegal dos cigarros eletrônicos no Brasil, conhecidos como pods, vapers, entre outros nomes.
1) O que são os dispositivos eletrônicos para fumar?
São todos os chamados cigarros eletrônicos, que também podem ser apelidados de vaporizadores, pods, e-cigarettes, e-pipes, e-ciggys, etc.
Há também uma outra categoria, que é a dos produtos de tabaco aquecido que usam vaporização. Em vez de ter como base uma essência ou líquido, esses aquecem diretamente o tabaco, a planta da qual é extraída a nicotina.
2) Quais são as principais diferenças entre os cigarros tradicionais?
O cigarro tradicional tem alcatrão, um composto de mais de 40 substâncias comprovadamente cancerígenas, monóxido de carbono (que dificulta a oxigenação do sangue), nicotina, aromatizantes e uma mistura de mais de 7 mil produtos químicos que são tóxicos e prejudiciais à nossa saúde. Eles funcionam por meio da combustão dessas substâncias.
Já os eletrônicos não agem dessa maneira, eles aquecem o líquido de seu reservatório (também chamado de e-líquido) que é então inalado pelo usuário. Assim, por não existir combustão, não há geração de monóxido de carbono. Apesar disso, eles também têm nicotina (por isso também geram dependência) e outras substâncias líquidas como glicerol, glicerina vegetal, propilenoglicol e aromatizantes alimentares.
“É um entregador de nicotina com uma roupa nova”, explica a médica Liz Maria de Almeida, coordenadora de Prevenção e Vigilância do Instituto Nacional de Câncer, o INCA. “Esse é o principal fator em comum entre esses tipos de cigarros”.
A nicotina, o princípio ativo presente no tabaco, é uma droga. Almeida explica que ela é psicoativa, ou seja, liga-se a aos neurotransmissores do sistema nervoso responsáveis pela liberação de uma substância que dá uma sensação de bem estar no nosso corpo, a dopamina. E esse efeito é bastante rápido. Em cerca de 15 segundos depois da tragada, 25% da nicotina atinge esse sistema de recompensa.
Fora isso, também são colocados nesses produtos aditivos químicos feitos pela indústria alimentícia com sabores de frutas, mas que em nada se parecem com as propriedades desses alimentos.
“Então além da nicotina, que é uma substância que tem ação psicoativa que leva à dependência e que também gera aumento dos batimentos cardíacos, tem efeitos pulmonares, tem efeitos cardiovasculares, tem efeitos imunológicos, etc., você tem o agravante da presença de substâncias químicas muito variadas que são apresentadas nesses dispositivos eletrônicos”, alerta a médica.
Jaqueline Scholz, coordenadora da área de cardiologia do Programa de Tratamento ao Tabagismo do Instituto do Coração, em São Paulo, destaca um outro fator importante sobre essas substâncias, como propilenoglicol e o glicerol: a ausência de pesquisas sobre seus efeitos colaterais.
“Esses produtos, quando foram incorporados ao cigarro eletrônico, não tiveram teste de segurança sobre sua inalação. E uma coisa é você usar no trato gastrointestinal, que foi feito para isso, outra coisa é você inalar [essas substâncias]”, ressalta.
3) Como eles se transformaram ao longo dos últimos anos?
O primeiro produto similar a um cigarro eletrônico foi patenteado em 1963, nos Estados Unidos, mas não chegou a ser comercializado.
“A presente invenção refere-se a um cigarro sem fumo e sem tabaco e tem como objetivo proporcionar uma forma e um método seguro e inofensivo para fumar”, dizia a patente submetida.
Décadas se passaram e desde então, os produtos se transformaram bastante; ficaram mais tecnológicos, passaram a ser mais viciantes e a apelar mais para o público jovem, principal foco do mercado atualmente (veja infográfico com as transformações abaixo).
Na 1ª geração, popularizada entre 2005 e 2010, os DEF eram aparelhos descartáveis, não recarregáveis que imitavam a aparência de um cigarro comum. Também não era possível recarregar o e-líquido e os aparelhos eram mais fracos, e não raro vazavam ou estouravam.
Já os de 2ª geração, primeiros apresentados num formato diferente do cigarro comum (principalmente o de caneta) tinham um cartucho pré-carregado ou recarregável e, assim, podiam ser usados várias vezes. Contudo, muitos usuários reclamavam que esses modelos não proporcionavam o mesmo prazer que um cigarro comum, pois a nicotina de fato demorava mais para chegar ao cérebro.
Por sua vez, os modelos de 3º geração, que surgiram a partir de 2015, não tinham esse problema. Eles eram dispositivos maiores, com mais voltagem, também recarregáveis que tinham o formato de pequenos tanques, também chamados de “mods”, pois os usuários passaram aqui a poder modificar as substâncias desses tanques.
Atualmente, os modelos atuais são os de 4ª geração, chamados de “pods”. São recarregáveis ou descartáveis e se assemelham a um pen-drive. Muitos utilizam sais ácidos de nicotina, que oferece uma maior concentração de nicotina para o cérebro e, consequentemente, gera uma maior dependência nos usuários. Além disso, nos últimos anos os modelos passaram a ser mais coloridos e a apresentar formatos que apelam mais para o público jovem.
“Os modelos anteriores de primeira e segunda geração não traziam o conforto em termos de oferta de nicotina que esses produtos mais novos e tecnológicos trazem. Esses últimos são os que dão de fato uma satisfação. Isso porque eles tem uma capacidade de oferta de nicotina maior”, pontua Scholz.
“Então hoje a gente vê novos usuários e pessoas que quando fazem a transição percebem um consumo maior e querem parar de fumar, mas não conseguem”.
4) Quais são os principais riscos para a saúde?
A nicotina, principal agente químico de todos cigarros, é altamente viciante e sua dependência leva a uma doença chamada de tabagismo.
Segundo o INCA, ela pode resultar em 50 outras diferentes doenças, dentre vários tipos de câncer (pulmão, laringe, faringe, esôfago, estômago, pâncreas, fígado, rim, bexiga, colo de útero, leucemia), doenças do aparelho respiratório (enfisema pulmonar, bronquite crônica, asma, infecções respiratórias) e doenças cardiovasculares (angina, infarto agudo do miocárdio, hipertensão arterial, aneurismas, acidente vascular cerebral, tromboses), entre outras.
A estimativa é que 157 mil pessoas morram por ano no Brasil devido à essas doenças.
Em relação aos cigarros eletrônicos especificamente, enfermidades também estão relacionadas diretamente ao uso destes aparelhos. Somente em 2020, os EUA confirmaram um surto de 2.807 casos de lesão pulmonar associada ao uso desses produtos para fumar.
A doença, chamada de EVALI, sigla em inglês para lesão pulmonar induzida pelo cigarro eletrônico, causava dificuldades para respirar, fadiga, febre, náuseas, entre outros sintomas. Sessenta e oito mortes decorrentes dessa doença também foram registradas à época.
Segundo as autoridades americanas, esses casos estavam predominantemente ligados a pessoas que modificaram seus aparelhos, principalmente com derivados da maconha.
“Muitos casos são subnotificados. A gente não sabe na totalidade quantos estão fumando [os cigarros eletrônicos], qual a abrangência disso, mas sabemos que isso se encaminha para um desastre”, diz Jonatas Reichert, ex-coordenador da Comissão de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.
No Brasil, de acordo com dados da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), três casos foram diagnosticados em 2019. No mesmo ano, a Anvisa criou um formulário para que médicos pudessem notificar à agência casos de uma pneumonia aguda relacionada ao uso destes dispositivos.
Desde dezembro de 2019 até março deste ano, a Anvisa recebeu sete notificações referentes a doenças relacionadas ao uso de dispositivos eletrônicos para fumar. A mais recente foi feita em fevereiro de 2020, logo antes da pandemia. Destas notificações, três indicam a ocorrência de internação e duas indicaram a presença de sequelas após a alta do paciente.
5) Os cigarros eletrônicos ajudam a parar de fumar?
Há uma controvérsia na comunidade científica quanto a isso. Nos EUA, embora aprovados comercialmente, os cigarros eletrônicos não são classificados como uma ferramenta de auxílio para aqueles que querem parar de fumar.
No entanto, o CDC, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças do país, considera que os cigarros eletrônicos podem ajudar adultos (exceto grávidas) que fumam se forem usados como um substituto completo para todos os cigarros e produtos baseados em tabaco.
O problema é que a maioria dos usuários adultos não utilizam o produto para parar de fumar. Em vez disso, fazem o uso tanto do cigarro comum quanto do eletrônico. Além disso, esse último é cada vez mais uma porta de entrada para os jovens no mundo todo que nunca foram expostos ao cigarro comum.
“Existe muitos estudos científicos que provam que tudo isso faz mal, o cigarro eletrônico não participa de um processo para a pessoa parar de fumar. Ela vai fumar o cigarro eletrônico e vai continuar com cigarro habitual. E as crianças o adolescentes estão fumando cigarro eletrônico e nunca tinham fumado outro antes”, critica Reichert.
6) Como será o processo na Anvisa?
A Anvisa debate a regulamentação dos DEF desde 2019, quando houve a abertura do processo regulatório e a realização de audiências públicas sobre o tema.
Uma normativa da agência proíbe a comercialização, a importação e a propaganda de quaisquer dispositivos eletrônicos para fumar desde 2009. O processo de agora visa atualizar ou não as normas tendo em vista que o cenário atual mudou bastante.
Nos últimos anos, conforme cita o próprio relatório parcial da agência, houve uma explosão dos usos desses produtos e um forte marketing dirigido a jovens e adolescentes.
Assim, a entidade regulatória poderá adotar três caminhos:
Alternativa 1 – A Anvisa mantém o texto e as proibições estabelecidas pela normativa RDC nº 46/2009, sem a implementação de novas ações.
Alternativa 2 – A Anvisa mantém as proibições da RDC aprimorando as normativas e implementando ações adicionais, como campanhas educativas, melhorias na fiscalização pela Internet, fronteiras e pontos de venda. Segundo o relatório parcial divulgado esta semana, essa é a alternativa sugerida, pois ela impacta positivamente a proteção da população, em especial de crianças e adolescentes. Porém, é importante ressaltar aqui que esse relatório não representa qualquer decisão por parte da Anvisa. As decisões da Diretoria Colegiada, órgão máximo da Anvisa, ocorrerão em etapas posteriores.
Alternativa 3 – A Anvisa permite a fabricação, importação e comercialização dos dispositivos eletrônicos para fumar, revogando as proibições da RDC nº 46/2009.
7) O que dizem os especialistas sobre o processo na Anvisa?
A médica Liz Maria de Almeida destaca que a alternativa sugerida no relatório parcial da Anvisa, pela manutenção das proibições da RDC e implementação de novas ações de fiscalização, é o caminho a se seguir. Ela argumenta que não “dá pra ficar do jeito que está” tendo em vista que a intensificação do comércio irregular nos últimos anos exige um aprimoramento das normativas.
“A gente tá vendo uma turma que tinha parado de fumar voltando a fumar por conta de entrar em contato novamente com a nicotina através desses eletrônicos e a gente não tem nenhuma evidência de que esse esse produto ajuda as pessoas a parar de fumar e muito menos que ele é seguro”, pontua a coordenadora do INCA.
Jaqueline Scholz também concorda com sua colega e acrescenta que, caso a alternativa seja pela revisão mais rigorosa das normativas de proibição, isso irá proteger a saúde da maioria das pessoas, principalmente aquelas de baixa renda.
“Aprovar esses produtos seria um retrocesso, principalmente produtos com essas características de alta dependência”, destaca.
Já Jonatas Reichert avalia que as ações e multas atuais aplicadas parecem não inibir o comércio e a importação de dispositivos eletrônicos para fumar no Brasil. “A gente vê a comercialização pela internet de uma forma muito intensa e uma influência muito grande dos jovens”, diz.
Por isso, o médico também acredita que seja necessária uma revisão das normativas de fiscalização e acrescenta que só vislumbra uma solução possível.
“A comunidade científica e de saúde pública brasileira, só espera uma coisa da Anvisa: que ela não libere a comercialização [dos DEF] no Brasil e que ela exerça seu papel de proteger a saúde da população brasileira”, acrescenta.
8) O que dizem os fabricantes?
Nota da Philip Morris Brasil:
A Tomada Pública de Subsídios aberta pela ANVISA nesta quarta-feira (06/4) representa mais um passo no processo de revisão da regulamentação dos dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs). A Philip Morris Brasil (PMB) continuará contribuindo com esse processo e dialogando com as autoridades sanitárias brasileiras.
Até o momento, os documentos apresentados à ANVISA demonstram a diferença entre o produto de tabaco aquecido da Philip Morris e os cigarros eletrônicos comercializados ilegalmente no Brasil. Além disso, mostram como a ausência de combustão e de fumaça reduz a quantidade de compostos tóxicos na comparação com o cigarro.
Por esses motivos, o produto de tabaco aquecido da Philip Morris já é comercializado em 71 mercados ao redor do mundo, com a adesão de 15,3 milhões de adultos que decidiram abandonar o cigarro. A expectativa é que, no futuro, esse produto também possa estar à disposição dos 20 milhões de adultos fumantes brasileiros, para que possam contar com alternativas menos tóxicas do que o cigarro.
Nota da BAT Brasil:
A BAT Brasil (ex-Souza Cruz) está analisando o conteúdo do Relatório Preliminar de Análise de Impacto Regulatório para os chamados Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs, vaporizadores e produtos de tabaco aquecido), construído e divulgado pela Anvisa. É de se notar que a área técnica da Agência indicou pela inviabilidade de discutir a legalização desses dispositivos, indo na contramão de dezenas de países onde a discussão do tema está mais avançada ou já regulamentada, como é o caso dos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Japão, Nova Zelândia e União Europeia. Como o próprio nome indica, trata-se de um relatório preliminar.
Entendemos por outro lado ser positivo o fato de a Agência ter publicado que abrirá espaço para contribuições da sociedade, algo fundamental em um tema tão relevante. Por ser uma empresa de atuação global, inclusive comercializando esses produtos nos mercados em que já foi regulamentado, a BAT Brasil participará do debate oferecendo sua contribuição e espera que a decisão final da Agência reconheça as evidências existentes no sentido de regulamentar, dando a possibilidade a adultos fumantes de adquirirem alternativas legais aos cigarros, como já ocorre ao redor do mundo.
Por Roberto Peixoto, g1