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As declarações de autoridades, na segunda-feira, a respeito da privatização da Petrobras sem um alinhamento prévio com a empresa prejudicam aspectos de governança da companhia, segundo especialistas.
Após as declarações, que fizeram com que as ações da petroleira subissem quase 7% no pregão, a Petrobras divulgou um fato relevante ao mercado, destacando que questionou o governo, por meio do Ministério da Economia, sobre a existência ou não de estudos para privatização da companhia.
A indagação veio após notícias de que há estudos no governo para um projeto de lei sobre a venda de ações da estatal e perda da maioria do controle acionário da Petrobras.
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), confirmou à agência de notícias Reuters que há estudos sobre o tema. Além dele, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o próprio presidente Jair Bolsonaro fizeram sinalizações sobre o tema.
O advogado especializado na área de petróleo e gás e sócio do escritório Mattos Filho Giovani Loss, destaca que qualquer informação que tenha potencial para afetar a precificação das ações de forma relevante deva ser tornada pública a todos os investidores a fim de evitar assimetria de informações.
“Quando o governo, desavisadamente, faz esse tipo de anúncio, ele está destacando uma informação que é relevante para o mercado sem o devido alinhamento com a empresa. E isso tem impactos e pode levar a CVM a questionar a companhia”, afirma Loss.
O professor de estratégia e gestão pública pelo Insper, Sandro Cabral, também observa problemas com a governança da empresa:
“A governança é compartilhada. Essa é uma discussão que deve ser feita no Conselho, com os demais acionistas. O governo é um deles e não pode falar em nome dos outros. É uma questão de governança interna corporativa que precisa ser debatida internamente”, ressalta.
Para Cabral, o episódio entra na lista de outros casos em que empresas listadas em Bolsa, mas que possuem a União como acionista controlador são surpreendidas com algum tipo de anúncio.
No início do ano, a própria Petrobras viu seus ativos sofrerem fortes perdas na B3 após uma mudança na Presidência. Possíveis interferências do governo no preço dos combustíveis costumam ser um receio constante nas negociações dos ativos.
“Sempre que você tem o governo como controlador, a interferência política é algo que os investidores levam em consideração e que influenciam no preço das ações. E alguns investidores precificam isso”, destaca o professor do Insper.
Ambos os analistas não enxergam espaço para reação judicial de investidores que se sintam prejudicados, pois é difícil comprovar uma causalidade entre a volatilidade dos ativos e o noticiário. No caso dessa segunda, isso também não ocorreria pelo fato das ações terem se valorizado.
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Procurada pelo Globo , a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a xerife do mercado financeiro, destacou que “acompanha e analisa informações e movimentações no âmbito do mercado de capitais brasileiro, tomando medidas cabíveis, sempre que necessário”, mas que não comenta casos específicos.
Falta de coordenação
Os analistas ressaltam que um tema desta magnitude necessita de um debate amplo e feito de forma cuidadosa. Uma divulgação feita as pressas serve apenas para dificultar o entendimento dos acionistas e da sociedade sobre o que está de fato sendo discutido.
“Acredito que se o governo quer propor isso, tem que estar alinhado com a empresa como uma proposta organizada. Você divulgar de uma maneira tão subjetiva, você gera uma série de outras perguntas. A palavra privatização é muitas vezes usada de forma indiscriminada para diferentes situações”, disse Loss.
“Esse tema requer estudos, discussões internas, modelagens, além da negociação política. Isso é demorado”, disse o professor do Insper, destacando que a empresa acaba tendo sua imagem prejudicada, mesmo que não tenha controle sobre o que é dito pelas autoridades públicas.
Segundo os analistas, a intenção da equipe econômica para que a Petrobras passe para o Novo Mercado, segmento de maior governança da Bolsa de Valores, seria positivo, mas ainda é necessária a divulgação de mais detalhes.
Nesta terça-feira, os papéis ordinários da estatal (PETR3, com direito a voto) fecharam com queda de 1,15% e os preferenciais (PETR4, sem direito a voto), 0,96%.
‘Sonho distante’
Mesmo com a alta forte das ações da empresa na segunda-feira, analistas de mercado consideram a privatização da empresa bastante improvável.
Em relatório divulgado, nesta terça-feira, o BTG Pactual ressaltou que privatizar a companhia é um “sonho distante” neste momento, além de servir como um desvio do foco da política de preços dos combustíveis praticada pela empresa.
“Não vemos isso como mera coincidência e acreditamos que o governo pode estar mais uma vez tentando convencer a sociedade de que o ônus da fixação dos preços dos combustíveis não deve estar sujeito à vontade, mas sim estabelecido sob uma dinâmica de preços de mercado e que uma Petrobras privatizada seria do melhor interesse do país”, destacam os analistas do banco, em relatório.
Os analistas do banco destacam que os aspectos legais envolvidos no processo de privatização são árduos, ainda mais em um cenário de ano eleitoral.
“Em nosso entendimento, a venda do controle da Petrobras poderia ser possível com um projeto de lei (exigindo apenas maioria simples) alterando a lei 9.478 / 97, que estipula que o governo federal deve possuir pelo menos 50% (+1) das ações”, diz o relatório.
Na avaliação do banco, privatizar as refinarias do Brasil poderia ser suficiente, contribuindo fortemente para reduzir o risco de investimento e desencadear uma potencial reavaliação sem o barulho criado pela privatização de toda a empresa.
O Credit Suisse destacou que um cenário com a Petrobras privatizada seria positivo para a estatal, mas ressaltou que o formato com o governo mantendo a indicação do CEO e o poder de veto não seria “bom para os acionistas minoritários”.
A possibilidade de venda da Petrobras começou a ser ventilada pelo governo mais abertamente depois da crise causada com o Auxílio Brasil de R$ 400 para o qual o teto de gastos (regra que impede o crescimento das despesas da União) será alterado.