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Visitado por um advogado no Complexo de Gericinó, na Zona Oeste do Rio, Glaidson Acácio dos Santos, conhecido como o “Faraó dos bitcoins”, mandou um recado aos seus clientes. Prefere ser chamado de “Moisés”, personagem bíblico que libertou os hebreus da escravidão, e não como o faraó que os “manteve debaixo do chicote por 400 anos”, disse ao visitante.
Ele ganhou a alcunha depois de acusado de montar uma pirâmide financeira, disfarçada de investimentos de bitcoins, especialmente na Região dos Lagos Fluminense, que atraiu 67 mil investidores — os investigadores estimam que o número pode chegar a 200 mil — e arrecadou pelo menos R$ 38 bilhões.
Por operar ilegalmente, Glaidson está preso há dois meses e foi denunciado por crimes contra o sistema financeiro. Mas isso pouco importa para a clientela. Na semana passada, em reunião virtual, a comerciária desempregada Érika da Silva Pereira engrossou o coro do slogan “ninguém larga a mão de ninguém”, marca registrada do movimento pela libertação de Glaidson.
Ela garantiu que, desde 25 de agosto, quando o dono da GAS e seus sócios foram presos, não consegue dormir uma noite inteira. Junto com o marido, a comerciária investiu no esquema os recursos arrecadados com as verbas rescisórias de duas demissões, a venda de uma moto e de um terreno e dois empréstimos bancários, no total de R$ 87 mil, economia da vida inteira da família.
Erika faz parte de uma das três correntes de clientes da GAS surgidas da crise após a Operação Kriptos, que prendeu o mentor do esquema. Ela representa a posição do grupo que defende a soltura de Glaidson como condição central para devolução do dinheiro, mas sem acreditar na reativação do esquema. Um outro grupo, mais esperançoso, clama pela libertação do dono da GAS. e reativação das operações e a volta dos pagamentos mensais de 10% do valor investido. Um terceiro grupo, menos otimista, está ajuizando ações de ressarcimento com pedido de sequestro de bens de Glaidson.
“Desde que virei cliente, há um ano, eles nunca atrasaram”, disse Érika, usando um argumento repetido entre os defensores da libertação de Glaidson.
Moradora de São Pedro d’Aldeia, cidade vizinha de Cabo Frio, a comerciária disse que fez um investimento inicial de R$ 13 mil, da primeira rescisão contratual, mas foi aumentando o aporte na medida em que Glaidson pagava em dia os 10% contratuais e ela via colegas de trabalho e vizinhos progredirem com os “investimentos em bitcoins”. Érika construía com o marido uma nova casa e contratou plano de saúde para custear uma cirurgia de extração de cisto de cinco centímetros na tireoide quando aconteceram as prisões.
“Tive de cancelar tudo. A Justiça do Brasil é muito injusta. A empresa pode ter tido algum erro, ninguém é perfeito, mas não podem fazer as pessoas sofrerem. Estou desempregada e o meu marido é autônomo”, lamentou.
O advogado Jeferson Brandão, que ouviu de Glaidson o pedido para ser chamado de “Moisés”, tem ocupado as redes sociais para convencer as pessoas de que, por gerir um “negócio adimplente, num país que ainda não regulamentou os investimentos em bitcoins”, Glaidson estaria preso ilegalmente. Em mais de uma oportunidade, em atos de desagravo ao dono da GAS, ele levantou a tese de que haveria uma conspiração patrocinada pelos grandes bancos para tirar de jogada alguém que ousava desafiá-los.
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Brandão é um dos líderes do movimento que já promoveu carreatas em Cabo Frio e, nesta terça-feira, estará na porta do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), pela segunda vez, para pedir a soltura de Glaidson.
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O TRF-2 vai julgar nesta terça-feira, às 13 horas, depois de um adiamento na semana passada, os pedidos de habeas corpus (HC) ajuizados pelos advogados de Glaidson, e dois integrantes do mesmo grupo, Felipe Silva Novais e de Michael de Souza Magno. O grupo é acusado de crimes contra o sistema financeiro nacional e de organização criminosa.
Eles foram denunciados por gerir fraudulentamente instituição financeira e emitir, oferecer e negociar títulos sem registro prévio junto à autoridade competente, usando em seu lugar declaração falsa de instituição financeira.
“Nunca houve contra ele uma única queixa no ‘Reclame Aqui’”, contesta Ana Serrão, ex-funcionária de creche, hoje desempregada.
Diagnosticada com artrite reumatoide, que afeta o lado direito do corpo, Ana alugava o apartamento em Copacabana (RJ) para estudantes até a pandemia do coronavírus afastar a clientela no ano passado. Desde então, vivia do rendimento obtido por quatro aplicações na GAS. A aposta nos bitcoins de Glaidson começou em maio de 2019, com um contrato de R$ 10 mil. Como os créditos de 10% eram pagos sempre na data marcada, ela ampliou os investimentos e tinha quatro contratos quando a GAS foi desativada.
“Meu sonho era conquistar a minha independência financeira e nunca mais pisar na porta da Previdência Social. Eu tenho horror”, suspira.
Além de ter limpado a sua previdência privada, transferindo os recursos da GAS, Ana também contraiu empréstimos bancários para engordar as aplicações com Glaidson. Essa semana, ela recebeu o primeiro telefonema do gerente:
“Expliquei o ocorrido. Está tudo bem. Assim que a justiça liberar o dinheiro eu os procuro”.
A situação não será tão simples. A Operação Kryptos foi desencadeada pelo Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal por envolver crimes contra o sistema financeiro nacional. Porém, uma das autoridades envolvidas na investigação sustenta que a devolução do dinheiro dos clientes terá de ser resolvida na Justiça estadual em processo que pode se entender por alguns anos.