Óculos Juliet, camiseta regata colada e corrente prata no pescoço. É assim que Bruno ZL, de 23 anos, se apresenta para dar entrevista. Para o jovem, o look mostra quem ele realmente é: “representa os meninos da periferia, de onde eu vim, a Vila Ema, na Zona Leste de São Paulo” — por isso o ZL no nome, aliás.
- Publicidades -
É com esse estilo “marrentinho” que Bruno, ou “Novinho Da ZL”, grava seus vídeos eróticos. Considerado um dos maiores influencers +18 do país, o jovem é um dos muitos brasileiros que recorreram à venda de conteúdo adulto para ganhar dinheiro.
Como todos os criadores, os de conteúdo adulto também estão expostos a todo tipo de crítica, ainda que este seja um segmento supostamente mais liberal. Bruno, por exemplo, não se livrou de estereótipos e de preconceitos por conta do visual de “lek da ZL”:
“Muitos pensam que o cara da quebrada não pode ser passivo no sexo, e eu tento quebrar esse pensamento. Por que eu, cheio de marra, tenho que ser só ativo? Curiosamente, os meus vídeos sendo passivo são os que mais bombam porque mexem com o imaginário de quem assiste”, conta Bruno.
Os profissionais ouvidos reforçam que a produção de conteúdo +18 deve ser levada a sério. Existem, inclusive, cuidados tanto contratuais como de saúde (física e mental) que precisam ser constantemente observados.
E, para quem acerta nas estratégias, não só é um trampo, é também algo que pode render muita grana. Os valores recebidos pelos produtores podem chegar a R$ 100 mil por mês, segundo João Finamor, professor de marketing digital da ESPM que acompanha esse mercado de perto.
Finamor lembra que a pornografia na internet sempre existiu. A diferença, agora, é que os próprios criadores têm autonomia e controle sobre os conteúdos publicados e sobre o dinheiro recebido.
Por dentro dos conteúdos +18
Como as gravações são feitas? Alguns produzem os vídeos e fotos em casa, mas outros preferem separar as coisas e gravar as cenas eróticas em outro lugar, como motéis. Nesse caso, os criadores que vão se relacionar dividem o valor da diária da locação.
Como funcionam as parcerias entre eles? Rolam as “collabs” (diminutivo de collaboration, que significa colaboração em inglês) e um criador convida outro para gravar as relações sexuais, que serão publicadas nas plataformas de ambos. Além disso, é comum que estrangeiros venham ao Brasil para filmar com profissionais daqui e vice-versa.
Por que dá muito dinheiro? Além de ter muita gente interessada nesse tipo de material, a maioria dos sites e apps dedicados a isso paga em dólar. Convertendo para o real, alguns produtores conseguem faturar alto, já que a moeda americana é mais valorizada. As plataformas também ficam com uma parte desse dinheiro: no OnlyFans, por exemplo, os criadores ficam com 80% dos valores, e o site com 20%.
E quanto eles recebem? Por questão de segurança, nem todos os criadores gostam de compartilhar valores publicamente. Mas, em média, eles dizem que é possível tirar de R$ 20 a 50 mil por mês. Esse valor pode chegar a R$ 100 mil, de acordo com João Finamor, da ESPM. Só no Pornhub, tem gente ganhando US$ 200 mil ao mês, revelou um dos profissionais que conversou com o g1.
Todos ganham bem? Não, a grande maioria das pessoas que tentam entrar no mercado +18 acaba não conseguindo monetizar o conteúdo – ou pelo menos não a ponto de os valores virarem sustento (leia mais abaixo).
Quais plataformas são usadas? Segundo eles, o Onlyfans, que paga em dólar, continua sendo a mais rentável, mas o Privacy tem compensado bastante também, mesmo pagando em real. Além dessas, 4MyFans, OnNowPlay, ManyVids e até mesmo o Telegram e o Reddit são usados.
Por que eles usam o X (antigo Twitter) como vitrine? Muitos publicam vídeos ali como forma de “degustação” e o post está sempre acompanhado de links para as plataformas +18, WhatsApp ou Telegram. Se o cliente se interessar, ele, então, assina. Alguns também usam o Instagram e o TikTok, mas o X continua sendo a principal e a que mais ajuda a faturar, isso porque ela é a única mídia social com brecha para postagem de fotos e vídeos eróticos.
Muitos tentam, mas poucos conseguem
Durante a pandemia, muitos anônimos cresceram do dia para a noite no OnlyFans, tendo o site como salvação financeira em um momento desafiador. Só que, agora, quem ganha dinheiro são as pessoas que já têm um público considerável em outras redes sociais, ou seja, quem já é conhecido, explica João Finamor.
Mas isso não é regra. No Paraná, Aline Novak, de 23 anos, começou no Privacy em 2022 e, hoje, somando com outras plataformas, ela diz faturar R$ 200 mil por mês.
“Tem público para todo mundo e é possível crescer. Eu comecei do zero, não era ninguém e, aos poucos, fui crescendo. Hoje, tenho até troféu de R$ 1 milhão em faturamento.”
A alta exposição é outro fator que mostra que esta não é uma profissão para todos. “É um mercado que envolve um público que vai criar intimidade”, diz Finamor. “A exposição é grande, e as pessoas vão falar do seu corpo, vão criticar. Por isso que a saúde mental é essencial para quem atua nisso”.
Problemas com a família
Bruno ZL é um dos principais criadores de conteúdo adulto no universo gay. Só nas redes sociais convencionais, ele tem mais de 1 milhão de seguidores — no X (ex-Twitter), onde compartilha prévias de seu trabalho (conteúdo explícito), são mais de 970 mil seguidores.
Hoje, o jovem trabalha com quatro plataformas: OnlyFans, Privacy, 4MyFans e OnNowPlay, sendo a primeira a que mais rende dinheiro. “No OnlyFans, dá pra vender conteúdo exclusivo e os gringos gastam mais lá”, afirma.
Os primeiros vídeos foram publicados em 2022, por influência de um amigo que já produzia conteúdo +18 no OnlyFans. Em sua decisão, pesou também a demissão de um estágio em direito, no qual recebia R$ 500 por mês.
Esse amigo, que já era conhecido no ramo, começou a repostar os primeiros vídeos de Bruno e foi aí que ele passou a crescer e a ganhar seguidores. No começo, a parte difícil foi lidar com os haters (odiadores). Mas não só isso:
“A minha família é muito conservadora, cristã, e foi difícil para as pessoas aceitarem. Aconteceu uma vez de mostrarem um dos vídeos para o meu pai, e ele quase teve um infarto. Ficamos sem falar por um tempo. Hoje, está mais tranquilo, mas não tocamos nesse assunto”.
A criadora de conteúdo Beatriz Miuky, de 27 anos, conta que a mãe não apoia a profissão, mas tenta aceitar. “Meu pai não fala comigo desde que eu fui em um programa TV falar sobre isso. Deu o maior bafafá na cidade dele. É complicado. Tem coisas de que a gente precisa abrir mão, mesmo”, afirma.
Eu trabalho com putaria, mas não é bagunça
— diz a criadora de conteúdo +18 Beatriz Miuky, de 27 anos, conhecida como Ahjaponesa
Beatriz, que vive em Balneário Camboriú (SC), é casada com Diego Mineiro, que também ganha dinheiro com pornografia. Entre eles, há regras e estratégias: Miuky, que faz conteúdo para heterossexuais, só se relaciona com mulheres. O marido, que tem o público gay como maioria, só transa com homens.
“O pessoal não entende a nossa relação. Mas eu não me importo em ver ele gravando com outros homens. No fim, quem dorme de conchinha comigo é ele e não quem nos assiste”, diz a jovem, rindo.
Os dois entraram no OnlyFans durante a pandemia. Naquele momento, Bianca já era conhecida por falar sobre viagens na internet. “Eu me encontrei nisso e a minha vida mudou com as plataformas. Eu consegui comprar carro, jet ski, moto, faço as minhas viagens”. Ela não revela seus ganhos porque já sofreu ameaças.
Quem também teve a vida transformada foi o baiano Gabriel Coimbra, de 29 anos, que costuma gravar com outros homens. Com a grana que vem do OnlyFans e do Privacy, ele e o marido abriram uma loja especializada em coxinhas no centro de São Paulo.
Os dois se conheceram na plataforma. O marido não grava, mas já assistia aos vídeos de Gabriel. “Estamos juntos há 1 ano e tivemos alguns desentendimentos pelo trabalho, mas conversamos muito e o sentimento que temos um pelo outro se sobressai a isso”.
Assim como Bruno ZL, Coimbra é um dos maiores criadores do país para o público gay e cresceu muito rapidamente. “Eu comecei em 2020, depois de ficar no ócio em casa. Passei a estudar sobre esse mundo e pensei em toda uma estratégia”.
Ele afirma que conversou com pessoas que já produziam esses conteúdos e a principal motivação foi o faturamento alto. Hoje, já são mais de 64 mil seguidores no Instagram e quase 1 milhão no X — ambas as redes são usadas como “vitrine da loja de seus vídeos”, como ele define.
‘Não somos uma máquina de sexo’
Muitos desses profisisonais só topam transar uns com os outros após a troca de exames para evitar infecções sexualmente transmissíveis. Gabriel, que é formado em enfermagem e já estagiou na Fiocruz, reforça que qualquer pessoa que produz conteúdo pornô precisa cuidar da saúde regulamente.
Beatriz, por exemplo, diz que faz exames para detecção de HIV, sífilis, hepatites A, B, C e Clamídia a cada dois meses.
A atenção à saúde mental também é importante. “Ter contato com pornografia todos os dias não é saudável. E a gente não é ensinado a lidar com a exposição e o assédio desse trabalho. As pessoas passam a te sexualizar e a te ver como objeto. Por isso que eu busco fazer terapia, além de exames a cada três meses”, diz Gabriel.
“É engraçado que as pessoas acham que transamos sem parar. Não somos uma máquina de sexo. Eu tenho conteúdo pronto para até fevereiro de 2024 e posso ficar tranquilo sem me relacionar”, completa Bruno ZL.
Muitos deles ainda têm de lidar com o vazamento de seus conteúdos e a criação de perfis falsos em redes sociais. “Acontece sempre e eu até contratei um advogado para lidar com isso”, diz Aline Novak.
E não acontece só com as mulheres. Recentemente, Coimbra publicou em seu X: “tem um perfil no Grindr usando minhas fotos e NÃO SOU EU! Por favor, denunciem se puderem 🤲”. Grindr é o principal app de relacionamento da comunidade LGBTQIA+.
Beatriz Miuky também tentou remover materiais que foram publicados sem a sua autorização no X. Contratou um advogado, mas não foi suficiente, uma vez que eles continuavam sendo vazados. Hoje Miuky diz ter aceitado que essa é uma guerra perdida. Afinal, faz parte dos riscos da profissão.
Envie sugestões de pauta ou denúncia para o WhatsApp do Jornal Sou de Palmas: (63) 992237820