Depoimento do delator da Operação Reis do Gado, Alexandre Jardim Fleury, apontado como um ex-laranja da família Miranda foi decisivo para as prisões do ex-governador Marcelo Miranda, o pai dele, Brito Miranda, e o irmão, Brito Júnior.
De acordo com os investigadores, Fleury gerenciava fazendas e trabalhava nas propriedades rurais do Tocantins e Pará que estavam no nome dele entre 2004 e 2011. O depoimento foi gravado em março deste ano, na sede do Ministério Público Federal de Goiânia (GO).
Marcelo Miranda, o pai dele, Brito Miranda, e o irmão, Brito Júnior, foram presos no dia 26 de setembro suspeitos de comandar um esquema que supostamente desviou R$ 300 milhões dos cofres públicos. Apenas o pai do ex-governador conseguiu deixar a cadeia, após pagar uma fiança de 200 salários mínimos. As investigações revelaram que eles desviavam dinheiro usando pessoas como laranjas.
Veja trechos da delação
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Alexandre Fleury: “Para pagar hora de trator, comprar gado, pagou-se muita coisa em espécie”.
MPF: “E onde eles guardavam esse dinheiro? Eles guardavam em casa?”
Alexandre Fleury: “Aí eu não sei, eles falavam: ‘passa em tal lugar’. Eu passava lá, pegava a mala e ia embora. Me entregava de vez em quando na casa do doutor Brito, de vez em quando num hotel”.
No vídeo ele também contou para aos procuradores da república que quando rompeu com a família Miranda passou a receber ameaças para devolver os bens. Ele falou sobre um assalto que sofreu no carnaval de 2016, em uma fazenda.
Segundo ele, no momento do crime, só estavam em casa a mulher e os filhos. Ele teria sido avisado sobre o roubo na propriedade por um vizinho.
Alexandre Fleury: “Três pessoas invadiram a propriedade, armada, encapuzada, e queriam arma, queria dinheiro, e não sei o que. E bateram no meu filho, trancou todo mundo num banheiro”
Alexandre Fleury: “Não levou celular, não levou notebook. Os R$ 300 que meus filhos tinham dado para eles não levaram… não era quilo que eles queriam”.
MPF: “O que o senhor entendeu que eles queriam?”
Alexandre Fleury: “Eles falaram que queriam dinheiro, a pacoteira, a pacoteira. Não verbalizaram isso, mas deu entender que eles achavam que tinha dinheiro guardado na fazenda.”
O delator afirmou também que após estes fatos passou a ter medo da família Miranda e evita ir à Palmas. Por questão de segurança preferiu falar com as autoridades em outro estado.
Alexandre Fleury: “Uma pessoa me ligou, no telefone fixo da minha residência, e disse que eu teria que em Redenção resolver esse problema com o Brito, com todo mundo, que era melhor para todo mundo. E desligou o telefone. Eu fiquei com medo.”
Nesta época Alexandre Fleury já tinha assinado termo de delação premiada para colaborar com as investigações da Operação Reis do Gado.
Nesta segunda-feira (21) completam 23 dias que o ex-governador Marcelo Miranda está preso no Quartel do Comando Geral de Palmas. O irmão dele, Júnior Miranda, está no presídio de Palmas e todos os pedidos de liberdade a ele foram negados. O pai deles, Brito Miranda, responde o processo em casa.
O outro lado
A defesa da família Miranda negou que tenha cometido qualquer tipo de crime e que tudo que foi dito por Fleury precisa ser provado e que cabe a ele fazer isso.
A investigação
Os investigadores concluíram que os atos ilícitos praticados pela família Miranda eram divididos em sete grandes eixos, envolvendo empresas, fazendas, funcionários públicos e laranjas, “que se relacionavam organicamente entre si para o desenvolvimento exitoso das atividades criminosas, mas que funcionavam como grupo.
As investigações apontaram ainda que durante foram verificados episódios de falsificação de escrituras públicas e registros de imóveis vinculados à família para promover a ocultação e blindagem patrimonial. Também há indícios de ameaças a testemunhas, compra de depoimentos e destruição de provas.
O grupo era tão bem articulado, segundo a polícia, que utilizava equipamentos de contrainteligência para dificultar e impedir a investigação pelas autoridades policiais. “Assim como a rara utilização do sistema bancário legalizado, consoante teria restado claro a partir do insucesso das medidas de bloqueio determinadas pelo eminente ministro Mauro Campbell Marques”, diz a decisão.
Para a Justiça, a sucessão de atos de investigação não resultou no desmantelamento da organização criminosa, que continuaria em pleno funcionamento através de prepostos. A lavagem de dinheiro se daria pela aquisição de fazendas, aviões, veículos e gado mediante a ausência de escrituração em nome de laranjas.
O esquema funcionava de tal forma que a Justiça chegou a tentar bloquear as contas de Marcelo Miranda e do pai dele, mas em uma das vezes encontrou apenas R$ 16.
Entenda
Marcelo Miranda foi eleito governador do Tocantins três vezes, sendo cassado duas vezes. A última cassação foi por causa de um avião apreendido em Goiás com material de campanha e R$ 500 mil ligados a campanha do ex-governador em 2014.
Ele também foi eleito senador da República, mas não pôde assumir porque foi considerado inelegível.
Reis do Gado (2016): investigou um esquema de lavagem de dinheiro e fraudes em licitações públicas. Miranda chegou a ser conduzido coercitivamente para prestar depoimento no caso. Parentes dele foram indiciados, inclusive o pai, Brito Miranda.
Marcapasso (2017): apurou fraudes em licitações, cobrança por cirurgias na rede pública e até a realização de procedimentos desnecessários em pacientes para desviar recursos. O ex-secretário estadual da saúde Henrique Barsanulfo Furtado foi um dos indiciados.
Pontes de Papel (2017): investigou fraude organização criminosa que atuava dentro do Governo do Tocantins e é suspeita de desviar recursos destinados à execução de obras públicas e construção de pontes e rodovias no estado.
Convergência (2017): Miranda foi indiciado em ação sobre fraude em contratos para construção de rodovias.
Lava Jato: um delator da Odebrecht disse que Miranda recebeu R$ 1 milhão para campanha em 2014.
Em 2019, o ex-governador também foi indiciado pela Polícia Civil em um inquérito que apura a existência de servidores fantasmas no governo do Tocantins.
Com informações do G1 Tocantins